O vaqueiro na historiografia piauiense do século XVII e XVIII


 
                                          





                                                                                                                      Maria Clara Lima de Oliveira 
RESUMO:        

Esse artigo apresenta uma série de informações de forma concisa a respeito das atividades dos vaqueiros nas fazendas do Piauí, como funcionava o sistema de produção e estratificação social nas fazendas no período colonial entre os séculos XVII e XVIII. Ainda é colocado como era a posição social dos vaqueiros dentro da perspectiva de três autores que divergem quanto ao seu olhar na atividade exercida pelos vaqueiros: Miridan Britto Knox Falci, Tanya Maria Piris Brandão e Solimar Oliveira Lima. Eles escrevem de maneira geral sobre sistema escravagista, assim como, a atividade pastoril dos vaqueiros nas fazendas do Piauí. As divergências de abordagens são claras, mas não cabe o julgamento de quem está certo ou errado, mas apresentar diferentes perspectiva e diálogos com esses autores, que também se complementam. Para Falci num regime escravocrata que predominava na região interiorana o vaqueiro também era escravo, apesar de exercer uma atividade livre. Para Tanya Brandão, o vaqueiro estava na categoria de homens livres, minimizando um sistema escravagista nas fazendas. Já Solimar trás outro olhar, um olhar mais duro no que concerne à atividade pastoril do vaqueiro. Ainda, este artigo apresenta a relação entre o vaqueiro e seu senhor e suas funções nas fazendas.
Palavras – chave: Vaqueiros. Escravos. Homens Livres. Fazendas.

ABSTRACT:

This article presents a series of information on how to do the activities of cowherds in the Piauí farms, such as the system of production and social stratification on farms in the colonial period between the seventeenth and eighteenth centuries. The mission of Pirat Brandão and Solimar Oliveira Lima. They write about the slavery system, as well as a pastoral store of cowboys in the farms of Piauí. As the divergences of approach are clear, but are not able to correct the error, but present different perspectives and dialogues with the authors, who also complement each other. For the slave regime that prevails in the interior region the cowboy was also a slave, although it was a free activity. For Tanya Brandão, the cowboy was in the category of free men, minimizing a slavery system in the farms. You are no longer interested in doing a pastoral cowboy activity. Also, this article presents a relationship between the cowboy and his lord and his functions in the farms.
Key - words: Cowboys. Slaves Free Men. Farms.

INTRODUÇÃO:

Há várias abordagens na historiografia sobre o elemento escravizado, alguns autores super valorizam a atividade escravagista no sistema de produção, outros já vêem quase que inexistente. Mas a teoria mais aceita é a integração de homens livres e escravos. O vaqueiro como uma figura simbólica na região interiorana, no imaginário coletivo das pessoas daquela época e até mesmo nos dias de hoje, pois, é uma atividade que se perpassou ao logo do tempo, chegou a virar um mito, de uma atividade livre, onde o vaqueiro era dono de seu destino, e que gozava de um prestígio social. Mas pouco se conhece que o vaqueiro também foi escravo, e como se exercia um regime escravagista em uma atividade que se necessitava de liberdade. Como isso funcionava? Era algo predominante?

1. O Predomínio da Criação de gado

A criação de gado era um bom investimento nas regiões interioranas, pois se exigia um pequeno investimento se comparado ao do estabelecimento de um engenho. Miridan caracteriza essas fazendas como rudes casas de palhas com currais (cercados) de madeiras ou de pedras, para rebanhos de vacas paridas ou para o estabelecimento de uma pequena roça de produtos de subsistência: feijão, mandioca, arroz e milho e o gado espalhado pelas grandes extensões de terra, criado solto.
O gado criado solto anda quilômetros por dia até se estabelecer, fazer do lugar o seu local de pastagem e se reproduzir. E o vaqueiro não tem interferência no seu deslocamento. Ao nascer um bezerro o vaqueiro leva para o curral para cuidar do animal, do seu umbigo, para não criar bicheiras evitando infecções. O gado vai abrindo caminho se estabelece e o vaqueiro vai atrás para construir os currais e uma nova choupana. A criação de gado bovino e cavalar era voltada para o mercado, mas a venda de cavalos era de numero insignificante.
Já segundo Odilon Nunes os vaqueiros eram desbravadores, sempre a procura de novas terras, chegando até mesmo a afirmar que o trabalho servil no Piauí não era uma condição da economia. E muitas vezes chegavam a entrar em conflito com índios pacificadores. “(...) dificultavam os vaqueiros a ação catequética. Não satisfeitos com tanta terra, já intentavam conquistar sítios entre a serra e o mar, ocupados por índios pacificados, perturbando a quietude da missão”. (NUNES, 2007, p.105)

2. A Organização das Fazendas no Piauí

As fazendas no Piauí tinham uma unidade econômica e social de produção diversificada, compreendendo a criação de gado vacum e cavalar, produção de alimentos de subsistência, a produção de açúcar, algodão e fumo. Ao mesmo tempo em que se criava gado se praticava a agricultura para o mercado, dessa produção se retirava para o consumo dos trabalhadores escravizados e para os administradores. Mesmo a agricultura nas fazendas terem surgido destinada a subsistência, no Piauí, ela tinha como função o abastecimento do mercado piauiense durante a administração do império.
A criação de gado no período colonial não tinha a técnica de inseminação utilizada nos dias de hoje, se dava de maneira natural, dependia de boas pastagens, terem um bom cuidado com as vacas paridas, cuidar bem do umbigo dos bezerros etc. O cuidado do rebanho dependia do trabalho exercido pelo vaqueiro. A criação dos rebanhos dependia quase que exclusivamente das condições naturais, que a chuva chegasse ao sertão e não matasse a criação de sede, mantendo as pastagens verdeadas e os açudes cheios. Mas a seca como uma condição natural, vinha a provocar o deslocamento dos rebanhos e nas estiagens os gados morriam numa gigantesca rapidez.
Havia em torno de três currais para as distintas funções: o curral de vaquejada abrigando o gado de apartar para ser dividido em diferentes acomodações, e os currais de benefícios para serem ferrados e para fazer uma partilha dos vaqueiros. 

(...) a imponência desses cercados que revelam, mais do que a casa de moradia do senhor, a importância e o valor econômico da propriedade. Muitas fazendas, com mais de 2000 cabeças, só dispunham de uma tosca casa de palha, mas currais cuidadosamente bem feitos. (FALCI, 1995, P. 158)

Então para medir o valor de uma fazenda se utiliza como referência o numero de bezerros nascidos ou domesticados anualmente. Fazendas de grande porte eram difíceis de serem encontradas, pois se um fazendeiro chegasse a possuir cerca de 20.000 cabeças de gado, estariam divididos em várias fazendas e não somente em uma.
Por que os grandes fazendeiros não possuíam uma única fazenda?
Numa produção extensiva de gado solto com baixa técnica de produção chegam a um limite, pois mais gado significaria mais mão de obra ou a necessidade de mais pastagens. Mesmo que a mão de obra e terra fosse de baixo custo, as longas distâncias para os vaqueiros percorrerem a procura do gado impossibilitariam de verificar se todas as reses estariam necessitando ou não de cuidados, isso acarretaria em muitas mortes e essa fazenda se tornaria antieconômica.
O que o fazendeiro fazia? Pegava 100 cabeças de gado, adquiria ou ocupava novos trechos de terra, construía um pequeno casebre para o vaqueiro, fazia primeiro o curral e assim iniciava uma nova fazenda. Por isso todos os fazendeiros considerados “bons criadores” não tinha uma única fazenda, mas várias em diferentes regiões.

3. Os Vaqueiros e Sua Estratificação Social

O fazendeiro além de investir nos currais e em algumas dezenas de reses inicialmente, cabia também a ele provir os apetrechos profissionais do vaqueiro: cavalos de sela, os arreios, a vara de ferrão, a corda de laçar animais, os arpões de sela, os solos, o cabeção de amansar poltrona, as peneiras, as esporas, etc.
Como a lida do gado era uma atividade que necessitava de uma centralização nas mãos de uma única pessoa, o vaqueiro-chefe poderia até ter auxiliares de vaqueiros escravos, mas as decisões partiam do vaqueiro-chefe. Tanto Solimar quanto Miridan partem da idéia que entre os vaqueiros havia uma estratificação com relação às tarefas a serem realizadas, havia uma divisão de trabalho nas fazendas, para Miridan, de escravos e homens livres. Tinha o vaqueiro cabeça-de-campo ou vaqueiro-chefe, que ficava responsável pelo rebanho e tinha domínio sob os pastos. Cada fazenda possuía apenas um vaqueiro cabeça-de-campo, este possuía seus auxiliares que eram os guias, tangedores e peadores. 
Com relação aos vaqueiros na perspectiva de Miridan, em suma maioria eram escravos com a possibilidade de conquistar sua alforria através de algumas posses adquiridas ao longo da sua vida, em decorrência de seus trabalhos realizados, ou até mesmo com a possibilidade de chegar ao nível mais alto, ser um vaqueiro-chefe. Segundo Solimar embora muitos cativos recebessem pelos seus serviços, foram poucos os que alcançaram a compra da sua liberdade, devido a pouca renda, o alto preço das cartas de liberdade e a pouca vontade do patrão. Tanya Brandão ver o vaqueiro como uma camada social intermediária com possibilidade de ascender econômica e socialmente. Há uma diferença de perspectiva entre estes historiadores, Miridan relata que mesmo o vaqueiro adquirindo a sua alforria continuava ligado ao senhor, por diversos motivos, um deles era que sua esposa ainda continuava escrava, e outra era por motivos de subsistência. 
De acordo com Tanya Brandão sobre a condição dos vaqueiros nas fazendas:
Sua definição é de homem livre, misto de empregado, parceiro e sócio dos currais, que, na maioria dos casos, possuía apenas a sua força de trabalho quando chegava a uma fazenda. Passando a um prazo mínimo de cinco anos na administração de um curral, o vaqueiro poderia elevar sua condição social, por ter se tornado proprietário de gado. (BRANDÃO, 2015, pg.95)

Assim Tanya Brandão destaca que a função de vaqueiro se compunha por maioria de homens livres, não se descartando que havia vaqueiros escravos, porém em números irrisórios. Ela reforça sua perspectiva no ponto de vista que o preço de um escravo era muito alto, preferindo-se mão de obra livre barata, além do que, as atividades de pastoreio, é uma atividade livre, sendo impossível uma fiscalização entre este no pastoreio do gado. Solimar em sua análise sobre a escravidão no Piauí, para ele não era mais branda, eles não viviam em um Oasis dentro de um sistema escravagista de produção. Na sua perspectiva havia sim uma dura fiscalização até mesmo no setor pecuarista. Solimar faz uma crítica à historiografia regional que apresentam as fazendas, sobretudo no Piauí, numa espécie de mundo ocioso. Onde os escravos desta região teriam conhecido a face mais branda da escravidão. Em sua tese braço forte: trabalho escravo nas fazendas da nação no Piauí, ele escreve radicalmente sobre o lado oposto aos que escrevem sobre uma escravidão branda.
Tanya Brandão ameniza um sistema escravista de produção nas regiões interioranas, onde o caráter de subsistência da pecuária teria contribuído no sentido de fazer surgir uma sociedade mais democrática. Entre os séculos XVII e principalmente no XVIII, Tanya Brandão identifica a estrutura social do Piauí em dois grandes grupos, formado por pessoas livres e outro por escravos, onde os vaqueiros encontravam-se no primeiro grupo, a dos livres.

4. O Vaqueiro o Mito do Sertão

O vaqueiro como figura simbólica da região pastoril, tanto no folclore local como também na historiografia, segundo Tanya Brandão representava toda a sociedade pecuarista, por está diretamente envolvido com o gado. Vivia montado no cavalo, solto pelo campo, administrava o patrimônio do fazendeiro longe de sua fiscalização, ele era o indicador existente de liberdade no interior pastoril.

Embora existissem escravos vaqueiros – em 1697 foram identificados quatro – via de regra, as pessoas encarregadas de olhar o rebanho nas fazendas e sítios eram livres. Na grande maioria, os vaqueiros não possuíam terra, nem gado e nem escravos, principalmente quando chegavam à capitania. (BRANDÃO, 2015, pg.115)

É muito comum os literatos escreverem sobre a atividade pastoril de forma poética, baseado em mitos e lendas, porém é uma atividade muito mais árdua do qual é geralmente conhecida. O clima é rigoroso, os terrenos do sertão são irregulares, como também a vegetação agressiva da caatinga.
Para se fazer o manejo dos animais nos campos e no trabalho, fazia-se com facões, foices, machados, de forma a abrir caminho, é uma tarefa dispendiosa que castigavam duramente os trabalhadores, assim como os acidentes freqüentes “nas vaquejadas”.

Os criadores recebiam trabalho fixo e quarta sobre a reprodução dos rebanhos, e esforçavam-se para cumprir os gastos e expandir a reprodução dos rebanhos e esforçavam-se para cumprir os gastos e expandir as produções das fazendas a fim de obterem maiores gastos, legais ou ilegais. Uma realidade que sobrecarregava de tarefas a limitada força de trabalho ensejando tensão permanente entre administradores e cativos (LIMA 2005, pg.11)

Ao contrario de outros historiadores que escrevem sobre a relação entre o cativo e o patrão de forma mais harmônica, Solimar aponta fugas, roubos, atos de desobediência por parte dos cativos e violência física por parte dos patrões.
Muitas fazendas nacionais no Piauí se concentravam na criação de gado bovino e cavalos, um intenso criatório extensivo na infinitude de terras, dependendo dos recursos naturais desta terra e que também necessitava de uma reduzida utilização de mão de obra. Implicando assim nas fazendas um excesso de trabalhadores escravizados, gerando ociosidade, indisciplina... Poucos escravos necessitavam para vigiar uma boiada.
Tanya e Miridan concordam na perspectiva onde o posto de vaqueiro era ambicionado por todos, pois segundo elas era uma atividade mais branda, segundo Tanya o grau de violência vai depender dos locais onde eram realizados esses serviços, nas fazendas era comum a sensação de exercer uma atividade mais livre, pela própria dinâmica do trabalho. 
A introdução na atividade de vaqueiro se iniciava muito cedo, em torno dos seis aos sete anos de idade, em atividades ligadas ao pastoreio.
Solimar descreve como era essa atividade, e o quão ariscado ela chegava a ser, de acordo com ele: 
(...)O trabalho consistia em prender as patas, geralmente as dianteira, dos cavalos, éguas e poldros com “peias”, uma espécie de algema feita com cordas ou couro traçado, que permitia restrita locomoção. A tarefa requeria certos cuidados, pois muitos animais costumavam reagir às peias com “coices” [pancadas com cascos traseiros], que às vezes provocavam “rendição de virilha” e “desmentido de braço” (LIMA, 2005, pg.95 a 96)

Muitos meninos exerciam atividades de peadores, como também de “guias de bois”, atividade esta que exigia prontidão e entendimento dos campos, logicamente atividade esta que não era comumente delegado as crianças. Suas atividades se restringiam as cercanias das fazendas. A atividade de guia era estabelecida aos adultos, que tinham a função de evitar partidas súbitas do gado como também, o desgarramento de animais do bando e desvio de rumo.
De acordo com Miridan o vaqueiro de uma fazenda não trabalha sozinho, diferentes vaqueiros de fazendas vizinhas participam em cooperação e solidariedade das grandes atividades, como a vaquejada e a do ferro do gado. Um grande trabalho coletivo, onde todos participam.
A especialização do trabalho era feita por outros vaqueiros amigos, das fazendas próximas, ou seja, o senhor não precisava ter vários especialistas vaqueiros, ele promovia uma festa, convidava os vaqueiros vizinhos, oferecia comes e bebes e todos ajudavam no trabalho daquele dia. Assim se utiliza do trabalho do vaqueiro vizinho, que fazia com satisfação. E quando um fazendeiro vizinho precisava de participação, o seu vaqueiro também ajudava.
Somente o vaqueiro-chefe livre recebia a quarta parte dos bezerros nascidos. Os outros vaqueiros escravos auxiliares recebiam pequenos valores, como uma porca ou um carneiro. E isso explica a possibilidade desses escravos “vaqueiro-auxiliar” juntar todo o dinheiro que adquiriu na sua vida e conseguir sua alforria.
Miridan explica como essa sociedade escravocrata estabeleceu esses laços de solidariedade, a partir de mecanismos ideológicos de controle, de dominação e valores morais que serão indispensáveis para manter a sua estrutura.

Necessitando a atividade pastoril de gerenciamento e centralização e contendo diversificações, a sociedade forjará conceitos de honra, dignidade, mando capacidade operacional e prestígio social no exercício da atividade do vaqueiro. E porque é uma atividade que precisa ser exercida livremente, num aprendizado espontâneo, desde muito jovem, por que aquele que queria ser vaqueiro, não se obrigava ninguém a ser vaqueiro, como se fazia com o roceiro. (FALCI, 1995, pg.161-162).

Como ressalta Miridan a atividade do vaqueiro era uma atividade que se passava de geração a geração, desde muito jovem. Ela subdivide a classe de vaqueiro em duas: os vaqueiros escravos e os vaqueiros-chefes. O vaqueiro-chefe nas fazendas particulares eram homens livres, mas ele não se encaixava nem na condição de assalariado nem de escravo. Ele era mais uma espécie de gerente de uma atividade produtiva, um mestre de oficio. O vaqueiro ser reconhecido como vaqueiro-chefe era algo de extrema admiração, pois era um cargo de confiança. Ele tinha um pouco mais de comodidade adentrando na vida do senhor.
(...) Sentava-se (somente ele, não todos da família) a mesa com o senhor e a família deste; adquiria um quarto do rebanho de bezerros nascidos anualmente na fazenda podia fazer lavoura na terra do senhor. Tinha proteção, o respeito e consideração do senhor e da sociedade local. (FALCI, 1995, pg.162).

Tanya ainda diz que os vaqueiros tinham grandes possibilidades de mobilidades sociais, o pagamento de empregados segundo ela, se limitava aos vaqueiros, usando o regime de sorte ou parceria. Onde ele recebia cerca de 25% da sua produção, assim ele poderia passar a condição de criador autônomo. Como arrendatário de sítio, como posseiro, ocupando com o seu curral e lavoura de terras desocupadas. Mesmo assim não havia um impedimento formal ao fato de o vaqueiro permanecer na fazenda juntamente com os seus gados. E mesmo se os gados fossem retirados, não haveria impedimento de o vaqueiro abandonar sua função, desde que contratassem os serviços de outras pessoas.
A quantidade de vaqueiros era limitado, estava relacionado à quantidade de fazendas e sítios instalados. Tanya mostra como era feita a estratificação social no Piauí colônia;
A estratificação social no Piauí colônia, de maneira geral tinha por base os recursos econômicos. Três categorias podem ser identificadas: a primeira compunha-se dos proprietários da terra, gados e escravos; a intermediária, mais variada, abrangia as categorias dos sitiantes, vaqueiros, feitores, posseiros e agregados. Na base da pirâmide social encontrava-se a massa escrava, compreendendo as pessoas que estavam sujeitas a um senhor, considerando como propriedade. (BRANDÃO, 2015, pg. 118)

Considerando a perspectiva de Tanya, onde a categoria dos vaqueiros não se encontrava entre escravos, umas das justificativas pela preferência do trabalho escravo como meio de produção, era o fato de que a população livre era avessa ao trabalho da agricultura, era ociosa, inútil. Eles ficavam a aguardar alguma vaga para vaqueiro, devido ao prestígio social de sua função, pois era um cargo de administração e economia das fazendas. Onde eles poderiam terá possibilidade, até mesmo de edificar fazendas próprias. Um grupo de moradores ficava como agregados nas fazendas até surgir alguma vaga de vaqueiro, por morte ou dissidência.
Com relação ao poder exercido pelos grandes senhores, Tanya vai descrever essa relação como uma relação de dependência, mesmo nas categorias consideradas livres como a dos vaqueiros.
(...) em face do poderio dos grandes senhores, a maior parcela da sociedade mantinha-se dependente daqueles. Até mesmo a condição de homem livre e independente comumente atribuída ao vaqueiro é discutível. Sua posição de parceiro, ou, como querem alguns, de sócio menor empresa pecuarista, transitava-se num elemento de confiança do grande senhor, dando origem a vínculos difíceis de serem rompidos. (BRANDÃO, 2015, pg. 167)
Ainda sobre a atividade do vaqueiro Solimar aborda um ponto importante, onde embora, o trabalhador possuísse a denominação de vaqueiro, ele também exercia outras atividades fora esta, raramente passava muito tempo nos campos cuidando dos rebanhos. [...] Por isso mesmo, eram os vaqueiros os trabalhadores que podiam ser encontrados na labutas das roças, das farinhadas, dos canaviais, dos engenhos e alambiques, do transporte da produção das fazendas, das obras e repartições publicas [...] (LIMA, 2005, pg.97), ou seja, aqui Solimar apresenta o vaqueiro exercendo múltiplas funções. Tudo isso de forma a satisfazer a necessidade de mão de obra das autoridades e administradores. Era muito comum o vaqueiro serem delegados a atividades extras atendendo solicitações das autoridades, causando um descontentamento por parte dos administradores que consideravam isso extremamente prejudicial ao andamento das fazendas, gerando sobrecarga aos que permaneciam nas propriedades. Nas fazendas os vaqueiros também exerciam atividade de produção de telhas e consertos de selas
A atividade que lidavam com o gado, era predominantemente masculina. Pelo fato dos serviços do vaqueiro não requerer habilidades especificas, o vaqueiro no geral era tratado como um trabalhador desqualificado. Para os novatos no ramo era necessário o conhecimento a cerca dos pastos e do gado. Era uma atividade que se necessitava de agilidade e força física, a juventude era uma aliada importante na profissão

CONCLUSÃO:

Portanto utilizando o ponto de vista de diferentes autores para escrever sobre atividade do vaqueiro, é possível identificar contradições, divergências, não havendo de fato, um consenso na produção historiográfica regional. Mesmo assim os pontos que esses autores apresentam, é de forma bem interessante. A relação de compadrio entre o vaqueiro e seu senhor, a relação de parceria estabelecida, o vaqueiro escravo no sistema de produção... Enfim tudo isso nos leva a ter uma idéia mais clara, de como funcionava a relação do vaqueiro e a terra, a relação do vaqueiro e do fazendeiro, que era de dependência, uma dependência cultural, a partir de elementos ideológicos.
Trazendo para uma perspectiva mais atual, algumas regiões ainda persistem a figura do vaqueiro, as suas práticas socioculturais, costumes e regras, que afirmam uma identidade de um modo de vida. Tanto a literatura e a historiografia vem a contribuir sobre o ser vaqueiro, as suas características, os tornando o “herói do sertão”, ligando a sua imagem sempre a caatinga. A cultura de um povo deve ser pensada através das significações do “mundo” em que vivem os elementos de uma cultura, e que fomentam a história de um povo. A imagem do vaqueiro é construída através do olhar do outro e a masculinidade é um elemento construtivo da identidade do vaqueiro e é a memória que assegura a sua identidade. Por isso é tão difícil nos dias de hoje pensar o vaqueiro como um elemento escravizado no período colonial.
Assim a tradição dos vaqueiros persiste até os dias de hoje, mesmo que de maneira simbólica em elementos culturais. A identidade dos vaqueiros piauienses é representada pela bravura e coragem, um homem sem temor, capaz de fazer trabalhos árduos, que tem domínio do campo. Houve uma ressignificação da atividade do vaqueiro ele não desapareceu.




                                                                REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRANDÃO, Tanya Maria Piris. O escravo na formação social do Piauí: Perspectiva Histórica do século XVIII. Editora da Universidade federal do Piauí, 2015, 212p.
FALCI, Miridan Britto Knox. Escravos do Sertão. Teresina: Fundação  Cultural Monsenhor  Chaves, 1995, 320.
LIMA, Solimar Oliveira. Braço Forte: trabalho escravo nas fazendas da nação no Piauí: 1822-1871. Passo Fundo: UPF, 2005, 181p.
Nunes, Odilon. Primórdios da Colonizão primeiros currais. Pesquisas para a História do Piauí. Teresina: FUNDAPI; fund. Mons. Chaves, 2007.
SOARES, Débora Lainny Cardoso. “Eacravidão e Liberdade: Discursos dos presidents de provincias e da Historiografia contemporânea no Piauí.”. São Paulo, Junho de 2011.

Discente, do 5ª período de História, na Universidade Federal do Piauí – UFPI. Email: mariaclaralima0923@gmail.com)

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